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“Dupla maternidade” em nascimento de criança gerada por inseminação caseira

Por Delma Silveira Ibias e Edison Mariante Pimentel, advogados (OAB-RS nºs 25.657 e 92.969)

dibias@outlook.com | edison.pimentel@hotmail.com

No dia 28 de julho último o magistrado Rodrigo de Azevedo Bortoli, da Vara de Família e Sucessões da comarca de Lajeado (RS), reconheceu o direito de um casal de mulheres de registrar – em nome delas – sua filha, recém nascida. As duas vivem em união estável desde 14 de fevereiro de 2014; no decorrer da convivência resolveram ter um(a) filho(a) como realização de um desejo comum, o que concretizaram por meio de inseminação doméstica ou caseira.

Todavia, na Declaração de Nascido Vivo (DNV) – expedida pelo hospital local – a criança do sexo feminino nascida em 10 de junho deste ano, consta com o nome da recém-nascida e o da mãe parturiente. A instituição hospitalar se negou a inserir o nome da companheira da genitora.

Em face do ocorrido as duas companheiras (a parturiente trabalha como babá; a parceira é comerciária) foram a juízo requerer a expedição de alvará para possibilitar o registro da criança em nome de ambas. O representante do Ministério Público, em bem fundamentado parecer, opinou pelo deferimento do pedido.

O magistrado, ao deferir, afirma que:

“Ab initio impõe-se a anotação de que a constituição de família extrapola questões puramente biológicas de conservação da espécie, assim não podendo ser analisadas apenas à luz das propriedades reprodutivas próprias aos gêneros humanos – lógica muitas vezes assumida para assentar ainda mais inadequadas  razões, tais como as religiosas, inadmissíveis em um Estado laico como o brasileiro”.

O juiz, após fazer um cotejo sobre os ditames constitucionais, o Código Civil, os provimentos do CNJ, as resoluções do Conselho Federal de Medicina, o Enunciado nº 608 da VII Jornada de Direito Civil e Enunciado 608 do IBDFAM, afirmou ainda, que: 

“No caso em foco, as requerentes, conforme escritura pública declaratória acostada aos autos, mantêm união estável desde o dia 14/02/2014, ou seja, há mais de meia década (e muito antes da gestação em voga), sendo que no decorrer da relação resolveram, de comum acordo, ter um filho para consagrar essa união, desejo de ambas, para o que adotaram o procedimento de inseminação não assistida, mais conhecida como ´inseminação doméstica´, assumindo todos os riscos decorrentes desse método, uma vez que, conforme por elas asseverado, não possuem recursos financeiros para uma inseminação assistida”.

O procedimento restou integralmente exitoso, culminando com o nascimento de uma menina, o que é comprovado pela Declaração de Nascido Vivo acostada à petição inicial, pretendendo o registro de nascimento da menina em nome de ambas as companheiras.

As autoras possuem todos os documentos conforme Provimento nº 63 do CNJ, à exceção da declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, uma vez que realizaram a inseminação utilizando-se de técnica ´caseira´. Não há legislação regulamentando a questão das inseminações ditas como ´caseiras´, o que faz com que não exista óbice à pretensão.

Da mesma forma, não há qualquer norma que proíba a inserção de duas mães no registro de nascimento de uma criança, sendo possível baseada na sócio afetividade e no princípio da igualdade”. (Proc. nº 5001916-73.2020.8.21.0017).

Neste contexto, ressalto que ambas as companheiras – e agora mães da recém-nascida – serão responsáveis pela educação e criação da menor, de modo que a elas, solidariamente, compete tais responsabilidades, devendo o registro de nascimento retratar a sua realidade social, de forma a demonstrar que foi desejada, amada e criada por duas mães que idealizaram e planejaram o projeto parental.

Sinale-se, outrossim, que no caso em tela, foi observado e assegurado o melhor interesse da criança, que será destinatária do cuidado e afeto de duas mães.

Anvisa alerta sobre riscos em inseminações caseiras

A inseminação caseira, feita em casa com uso de seringas e esperma colhido na hora, é um procedimento que pode trazer alguns riscos. A prática envolve basicamente a coleta do sêmen de um doador e sua inseminação imediata em uma mulher no período fértil,  com o uso de seringa ou outros instrumentos, como cateter. O alerta é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.

Ela adverte que “as mulheres que se submetem a esse tipo de procedimento na tentativa de engravidar devem estar cientes dos riscos envolvidos nesse tipo de prática”. E justifica: “Como são atividades feitas fora de um serviço de Saúde e o sêmen utilizado não provém de um banco de espermas, as vigilâncias sanitárias e a Anvisa não têm poder de fiscalização”.

Do ponto de vista biológico, o principal risco para as mulheres é a possibilidade de transmissão de doenças graves que poderão afetar a saúde da mãe e do bebê. Isso se dá devido à introdução no corpo da mulher de um material biológico sem triagem clínica ou social. 

Espéculo e cateteres

Além disso, o uso de um instrumento como o espéculo, utilizado para abrir as paredes da vagina, e a introdução de cateteres e outros instrumentos podem trazer riscos a mais, quando os procedimentos são feitos por leigos. A contaminação por bactérias e fungos presentes no ambiente também pode ocorrer quando a manipulação do sêmen é feita em ambientes abertos.

Segundo a Anvisa, “apesar de ser uma escolha individual e não regulada é importante que as pessoas que estão cogitando esse tipo de procedimento para engravidar avaliem o risco e conversem com um profissional médico especializado em reprodução humana”.

Alerta sobre os riscos

  • Qualquer material biológico de terceiros requer avaliação antes de ser introduzido em outra pessoa.
  • As triagens social, clínica e laboratorial do doador são necessárias para eliminar riscos de transmissão de doenças por meio da avaliação da presença de agentes infecciosos, como HIV, hepatites B e C, zika vírus, chikungunya, entre outros.
  • A exposição ao ambiente também deve ser considerada. Na inseminação caseira o esperma fica em contato com o ambiente externo e com os micro-organismos do ar durante alguns momentos.
  • No Brasil, é proibido todo tipo de comercialização de material biológico humano de acordo com o art. 199 da Constituição Federal de 1988. Toda doação de substâncias ou partes do corpo humanos, tais como sangue, órgãos, tecidos, assim como o esperma, deve ser realizada de forma voluntária e altruísta

Fonte: Espaço Vital

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